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Pode não surtir o efeito desejado a taxação de 20% sobre refrigerantes e bebidas adoçadas, por meio da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) Refrigerantes, aprovada pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Um estudo liderado pelo economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Márcio Holland, e pelo professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), José Maria Arruda de Andrade, concluiu que a medida, cujo objetivo é reduzir o consumo desses produtos e auxiliar no combate à obesidade, poderia gerar, por exemplo, redução de 15,4 mil postos de trabalho e queda de R$ 1,3 bilhão no PIB. A arrecadação tributária encolheria R$ 850 milhões.

“Aumentar a tributação sobre bebidas adoçadas é uma saída fácil para um problema complexo e com resultados altamente duvidosos. Não há dúvida alguma de que o sobrepeso e a obesidade se tornaram uma epidemia de grande proporção. Contudo, sua solução não é trivial e não há uma única medida suficiente para tratar do tema”, afirma Holland.

Refrigerantes x Obesidade

“Propostas de aumento da tributação sobre bebidas adoçadas partem de uma noção frágil de causalidade de aumento no consumo destas bebidas para aumento de sobrepeso e obesidade. Inferir sobre causalidade entre duas ou mais variáveis requer procedimentos empíricos que esses estudos simplesmente não apresentam”, declara Holland.

Para ele, o controle do aumento do sobrepeso e da obesidade deve levar em conta uma série de fatores, como a faixa etária, a própria obesidade familiar, falta de aleitamento materno, modo de vida e de trabalho, formas de transporte público, gênero, renda per capita e nível de desenvolvimento, escolaridade, questões metabólicas e hormonais, traumas e distúrbios psicossociais, tabagismo, outros consumos calóricos, entre outros.

“Somente a partir de uma abordagem multidisciplinar pode-se inferir sobre a relevância de cada fator na contribuição ao aumento de obesidade. No Brasil, desconhecemos estudo com essa qualidade e robustez”, reforça.

Consumo em queda

Conforme aponta a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2021, do Ministério da Saúde, houve uma expressiva redução do consumo regular de refrigerante entre os adultos (acima de 18 anos) na última década: em 2011, quase 30% dos entrevistados revelaram tomar a bebida em cinco ou mais dias da semana. Dez anos depois, esse índice caiu pela metade: 14%.

Por outro lado, a mesma pesquisa revela que o índice de indivíduos com obesidade (Índice de Massa Corporal ≥ 30 kg/m²) no conjunto da população adulta segue crescendo: em 2021, foi de 22,4%, bem mais que os 15,8% de 2011.

Os refrigerantes representam apenas 1,3% da fonte calórica familiar brasileira, aponta o estudo liderado por Marcio Holland. O consumo per capita anual no país está bem abaixo da média mundial: 58,3 litros – caiu 34% entre 2010 e 2020, de acordo com levantamento realizado pela ABIR (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas). Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE, reforçam essa tendência. E, na comparação internacional, conforme dados do Euromonitor International, o consumo interno de refrigerantes per capita está entre os menores dentro de uma ampla amostra de 93 países.

Prejuízo para os mais pobres

Para Holland, a tributação adicional sobre bebidas adoçadas não tem efeitos sobre a saúde pública e reduz a renda das famílias brasileiras, notadamente as mais pobres. Os consumidores de maior poder aquisitivo se mostram menos sensíveis ao aumento de preço do que os de menor renda, ou seja, grande parte da contração de demanda por bebidas deve acontecer entre as famílias mais pobres.

Além disso, o efeito final sobre o faturamento das empresas fabricantes de refrigerantes tende a ser neutro, ou mesmo positivo, uma vez que elas se adaptariam facilmente ao novo sistema tributário alterando o mix de produtos. Mas, de maneira geral, as famílias brasileiras consumiriam menos pagando mais.

Outro argumento utilizado pelos que defendem o novo imposto é que os preços mais altos levariam os consumidores a comprarem mais produtos sem açúcar, o que o estudo também refuta. Segundo esclarece José Maria Arruda de Andrade, não haveria substituição significativa por sucos naturais, considerando-se a elasticidade-cruzada (conceito que avalia o consumo de bebidas supostamente substitutas entre si) de apenas 0,21, segundo estimativas da POF de 2017/2018. Ou seja, cada 1% de aumento de preço forçado por sobretaxação de refrigerante acarretaria em expansão de irrisório 0,21% no consumo de sucos naturais. No caso de água, a elasticidade-cruzada é de ínfimo 0,38%.